04 dezembro 2005

Apelo ao consumo pode acabar na justiça

Os tribunais cíveis têm, na sua grande maioria, processos de incumprimento de pagamentos de consumidores ou clientes de serviços que acabam por ir parar aos gabinetes dos juízes, onde os fazem “perder” tempo que poderia estar a ser utilizado para outros processos. O apelo fácil ao consumo com a facilidade de obter um crédito por telefone é um dos exemplos dados por Jaime Pestana.
A comparação feita entre os juízos cíveis portugueses e os tribunais congéneres austríacos, em que cada um dos magistrados tem 150 processos por ano para resolver, remete a análise da situação dos juízos portugueses para a quantidade de processos que existem nas prateleiras dos tribunais que se prendem com dívidas.
«A situação económica do país é um dos factores que conta para a quantidade de processos que existem em tribunal» porque, acrescentou, «as pessoas não pagam, na maioria dos casos, não é porque não sejam honestas». Não pagam porque «não podem», uma situação que à data da contracção da dívida não se verificava.
Um outro parâmetro analisado pelos responsáveis pelo estudo verificava o tempo que um juiz gasta em actos processuais, sendo que a média de horas semanais gastas em audiências de prova é de 12 horas, 9 horas em sentenças, despachos de mero expediente, 8 horas e despachos saneadores, 7 horas.
Portugal tem juízes na média europeia
Em questão de tempo, também se verifica que os juízes gastam, em média, cinco a dez minutos com os restantes actos públicos, mas se Jaime Pestana concorda com a média gasta nestes vários actos, a verdade é que refere que se forem «cem processos destes últimos, gastam-se cem minutos».
Jaime Pestana salienta que neste país «não há um código de consumo, onde se anunciam na televisão créditos garantidos de mil, dois mil e cinco mil euros e onde não há também uma quota de endividamento a partir do qual não se pode ultrapassar os pedidos de crédito».
Não obstante, as acções de cobrança de dívidas nos tribunais, é também referido no relatório, são as que se resolvem mais rapidamente. «São aos milhares», enaltece Jaime Pestana, mas são rápidas porque «em regra não têm grande complexidade». Uma das outras conclusões a que chegaram os responáveis pelo relatório, ainda segundo o jornal “Público” é que «a actividade de um Juiz é rotineira, preenchida com despachos de mero expediente ou de simples apreciação».
Estas acções representam 70 por cento do tempo dos actos praticados, mas só tomam 30 por cento do tempo dos magistrados. Jaime Pestana não deixou de referir, por outro lado, que o sistema judicial não tem solução conhecida, pelo menos por agora. Há, no entanto, «gente capaz de ter uma ideia do sistema, mas nunca lá está tempo suficiente para mudar a Justiça».
Pestana refere que «as últimas grandes reformas que se tentou implementar, não o foram porque é difícil implementar uma reforma de fundo com tantas mudanças». «Tudo o que mexe na área da Justiça é, em regra, matéria dependente, ou da autorização legislativa da Assembleia ou da própria competência da Assembleia», além de que «nada nesta área é da competência directa do Governo», o que atrasa ainda mais os processos. Isto para não falar do facto de a legislação estar sempre a mudar, o que torna ainda mais complicada a resolução de processos.
Fim-de-semana a trabalhar
Jaime Pestana é da opinião de que não era com o reforço do número de juízes que se resolveria a morosidade da Justiça, no que respeita à resolução de casos.
A questão resolve-se com a evolução de todo o país, pois enquanto os portugueses «não crescerem» e não forem reunidas uma série de outras condições no sector da Justiça, nada vai ser resolvido quanto à morosidade dos processos. Por outro lado, mesmo que os juízes trabalhem 50 horas por semana — e isso também era relatado no estudo —, enquanto a legislação não for alterada em matéria de justiça, não vai conseguir-se reduzir os prazos de resolução de processos, porque a Justiça continuará a depender do sistema legislativo. Pestana tem, por exemplo, que trabalhar nos fins-de-semana em casa para despachar processos, quando se trata de sentenças. É que no tribunal o tempo útil é usado para outros expedientes e cada um demora cerca de duas horas e meia a ser resolvido nas mãos do juiz. Há, contudo, «juízes que trabalham cinquenta e mais horas por semana», enaltece Jaime Pestana, parecendo «pedreiros em vésperas de eleições», mas «sem ganhar horas extraordinárias». Mas não se pense que isso acontece apenas com os juízes, porque «se for ao Tribunal Judicial hoje, que é sábado, vai ver que existem nas várias salas entre dez a vinte funcionários».
E mesmo que não se possa exigir que as pessoas trabalhem fora de horário, a verdade é que estes funcionários o fazem, elogia Jaime Pestana, «sem ninguém lhes pagar», mas só se fala da actuação destas pessoas quando fazem greve.